quarta-feira, 8 de julho de 2009



MÓRBIDO? NÃO! AUGUSTO DOS ANJOS

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, 20 de abril de 1884Leopoldina, 12 de novembro de 1914) foi um poeta brasileiro, identificado muitas vezes como simbolista ou parnasiano. Mas muitos críticos, como o poeta Ferreira Gullar, concordam em situá-lo como pré-moderno.
É conhecido como um dos poetas mais críticos do seu tempo, e até hoje sua obra é admirada tanto por leigos como por críticos literários.
Augusto dos Anjos nasceu no engenho Pau d'Arco, no município de Sapé, estado da
Paraíba. Foi educado nas primeiras letras pelo pai e estudou no Liceu Paraibano, onde viria a ser professor em 1908. Precoce poeta brasileiro, compôs os primeiros versos aos 7 anos de idade.


Em

1903, ingressou no curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife, bacharelando-se em 1907. Em 1910 casa-se com Ester Fialho. Seu contato com a leitura, influenciaria muito na construção de sua dialética poética e visão de mundo.
Com a obra de
Herbert Spencer, teria aprendido a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade. De Ernst Haeckel, teria absorvido o conceito da monera como princípio da vida, e de que a morte e a vida são um puro fato químico. Arthur Schopenhauer o teria inspirado a perceber que o aniquilamento da vontade própria seria a única saída para o ser humano. E da Bíblia Sagrada ao qual, também, não contestava sua essência espiritualística, usando-a para contrapor, de forma poeticamente agressiva, os pensamentos remanescentes, em principal os ideais iluministas/materialistas que, endeusando-se, se emergiam na sua época.


Essa

filosofia, fora do contexto europeu em que nascera, para Augusto dos Anjos seria a demonstração da realidade que via ao seu redor, com a crise de um modo de produção pré-materialista, proprietários falindo e ex-escravos na miséria. O mundo seria representado por ele, então, como repleto dessa tragédia, cada ser vivenciando-a no nascimento e na morte.

A poesia brasileira estava dominada por simbolismo e parnasianismo, dos quais o poeta paraibano herdou algumas características formais, mas não de conteúdo. A incapacidade do homem de expressar sua essência através da “língua paralítica” (Anjos, p. 204) e a tentativa de usar o verso para expressar da forma mais crua a realidade seriam sua apropriação do trabalho exaustivo com o verso feito pelo poeta parnasiano. A erudição usada apenas para repetir o modelo formal clássico é rompida por Augusto dos Anjos, que se preocupa em utilizar a forma clássica com um conteúdo que a subverte, através de uma tensão que repudia e é atraída pela ciência.


A obra de Augusto dos Anjos pode ser dividida, não com rigor, em três fases, a primeira sendo muito influenciada pelo simbolismo e sem a originalidade que marcaria as posteriores. A essa fase pertencem Saudade e Versos Íntimos. A segunda possui o caráter de sua visão de mundo peculiar. Um exemplo dessa fase é o soneto Psicologia de um Vencido. A última corresponde à sua produção mais complexa e madura, que inclui Ao Luar.


Sua poesia chocou a muitos, principalmente aos poetas parnasianos, mas hoje é um dos poetas brasileiros que mais foram reeditados. Sua popularidade se deveu principalmente ao sucesso entre as camadas populares brasileiras e à divulgação feita pelos modernistas.


O aspecto melancólico da sua poesia, que a marca profundamente, é interpretado de diversas maneiras. Uma vertente de críticos, na qual se inclui Ferreira Gullar, fundamenta a melancolia da obra na biografia do homem Augusto dos Anjos. Para Gullar, as condições de nossa cultura dependente dificultam uma expressão literária como a de Augusto dos Anjos, em que se rompe com a imitação extemporânea da literatura européia. Essa ruptura de Augusto dos Anjos ter-se-ia dado menos por uma crítica à literatura do que por uma visão existencial, fruto de sua experiência pessoal e temperamento, que tentou expressar na forma de poesia. A poesia de Augusto dos Anjos é caracterizada por Gullar como apresentando aspectos da poesia moderna: vocabulário prosaico misturado a termos poéticos e científicos; demonstração dos sentimentos e dos fenômenos não através de signos abstratos, mas de objetos e ações cotidianas; a adjetivação e situações inusitadas, que transmitem uma sensação de perplexidade. Ele compara a miscigenação de vocabulário popular com termos eruditos do poeta ao mesmo uso que faz

Graciliano Ramos. Descreve ainda os recursos estilísticos pelos quais Augusto dos Anjos tematiza a morte, que é personagem central de sua poesia, e o compara a João Cabral de Melo Neto, para quem a morte é apresentada de forma crua e natural.


Abordagem psicanalítica
Outros, Como

Chico Viana, procuram explicar a melancolia através dos conceitos psicanalíticos. Para Sigmund Freud, a melancolia é um sentimento parecido com o luto, mas se caracteriza pelo desconhecimento do melancólico a respeito do objeto perdido. A origem da melancolia da poesia de Augusto dos Anjos estaria, para alguns críticos, em reflexões de influências politica com os problemas de sua família, e num conflito edipiano de sua infância.


Abordagem bloomiana
Há ainda aqueles que tentam analisar a poesia de Augusto dos Anjos baseada em sua criatividade como artista, de acordo com o conceito da

melancolia da criatividade do crítico literário norte-americano Harold Bloom. O artista seria plenamente consciente de sua capacidade como poeta e de seu potencial para realizar uma grande obra, manifestando, assim, o fenômeno da "maldição do tardio". Sua melancolia viria da dificuldade de superar os “mestres” e realizar algo novo. Sandra Erickson publicou um livro sobre a melancolia da criatividade na obra de Augusto dos Anjos, no qual chama especial atenção para a natureza sublime da poética do poeta e sua genial apropriação da tradição ocidental. Segundo a autora, o soneto é a égide do poeta e, munido dele, Augusto dos Anjos consegue se inserir entre os grandes da tradição ocidental.


PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epgênesis da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,

Este ambiente me causa repugnância...

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

Que escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há de deixar apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!




BUDISMO MODERNO

Tome, Dr., esta tesoura, e ... corte

Minha singularíssima pessoa.

Que importa a mim que a bicharia roa

Todo meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!

Também, das diatomáceas da lagoa

A criptógama cápsula se esbroa

Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vidaIgualmente a uma célula caída

Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades

Fique batendo nas perpétua grades

Do último verso que eu fizer no mundo!


SOLITÁRIO

Como um fantasma que se refugia

Na solidão da natureza morta,

Por trás dos ermos túmulos, um dia,

Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos conforta

Cortava assim como em carniçaria

O aço das facas incisivas corta!


Mas tu não vieste ver minha Desgraça!

E eu saí, como quem tudo repele,

Velho caixão a carregar destroços


Levando apenas na tumbas carcaça

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!


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